Publicado por: Marcos Damigo | 27/02/2009

Medida por Medida

Shakespeare pop e gay?

Gawronski se inspira num “dress code leather” para encenação de clássico de Shakespeare.

O diretor Gilberto Gawronski, que gosta de falar de comportamento através de seu trabalho (como ele mesmo revela no texto do programa), tomou uma decisão ousada: transpor um clássico da dramaturgia universal – um Shakespeare! – para um ambiente de boate gay, vestindo os personagens com a extravagância de acessórios sadomasoquista. Como se não bastasse, colocou a si próprio pelos cantos da cena vestido como uma caricatura de Shakespeare, escrevendo o texto que supomos estar sendo dito em cena. A toda essa heresia, junta-se a tradução de Bárbara Heliodora, a crítica teatral mais antiga em atividade no Brasil, causadora de grande polêmica no Rio de Janeiro por seu rigor e autoridade em Shakespeare, amada por uns e odiada por muitos! Uau, que salada russa!

Mas calma lá, vamos por partes…

Para quem não conhece, a história gira em torno de um Duque que simula uma viagem, mas fica por ali disfarçado para ver como as coisas andam na sua ausência. Ângelo assume seu posto e dirige a cidade com mão de ferro, punindo toda a espécie de delitos, principalmente os sexuais. Em seus desmandos, condena à morte o jovem Cláudio, que engravidou a noiva antes do casamento. Sua irmã Isabela, a fim de ajudá-lo, vai pedir a Ângelo que o liberte, mas ele se apaixona por ela e condiciona a libertação de Cláudio a que ela lhe entregue seu corpo. E por aí a trama vai, cheia de ardis e situações paralelas, até o desfecho.

Talvez com isso em mente, fique mais fácil visualizar onde quis chegar o diretor quando ambientou a ação nesse universo: afinal, onde a moral é mais desafiada hoje em dia? É pertinente a escolha de Gawronski de, numa peça que trata de poder e sexo, tão bem alinhavados pelo mestre Shakespeare, colocar acessórios “leather” e ajudantes de palco que dançam como “gogo boys”. Com isso, cria-se uma fantasia figurativa e lúdica, desmerecendo a seriedade com que esse tema poderia ser tratado. Já que o texto permite esse tom de fábula, por quê não uma fábula pop e gay?

Confesso que gosto deste abuso, de tirar os cânones do pedestal e virá-los do avesso, desde que com algum propósito em vista. Não sou adepto de se chocar só por chocar, mas quando as coisas tornam-se uma unanimidade, é preciso coragem para levantar sua voz no meio da multidão e dizer uma não-obviedade. Por exemplo, as pessoas adoram dizer que essa é uma “peça problema” de Shakespeare, mas nem sabem ao certo o que isso quer dizer!

De minha parte, digo logo que Gawronski se saiu muito bem! Mas não é à toa que o que mais se desarmoniza com sua proposta de encenação seja a tradução, que em sua rigidez canônica não dialoga com os outros elementos, tão inusitadamente lúdicos. O problema é que ela nos obriga a fazer um esforço a mais para entender o que é dito, e parece obrigar os atores também, pesando algo que deveria ser leve: um jogo de disputas que, à luz dessa encenação, parecem até infantis, como um espelho que mostra o ridículo a quem se sinta seduzido demais pelo poder (o que não é pouca gente hoje em dia). E talvez justamente por essa inadequação de estilos entre a palavra e a imagem, o elenco esteja pouco coeso, dando margem a interpretações de estilos bem diferentes. Nota-se isso, por exemplo, na linguagem de cada um dos atores que faz os papéis femininos (ah sim, esqueci de dizer que o elenco só tem homens): alguns mais realistas e outros mais caricatos, sem nenhum juízo de valores quanto a uma coisa ou outra, e apenas atestando tal discrepância. E também na sensação de que as boas atuações da peça dependem mais do brilho pessoal de alguns atores que de uma direção que trouxesse todos a um mesmo jogo.

Mas isso talvez sejam firulas de quem já viu teatro demais, pois o saldo geral – e positivo – se vê na platéia lotada, nas risadas e nos aplausos no final!

Para ler a resenha no site RG Vogue, clique aqui.

Ficha Técnica:

Medida por Medida

Texto: William Shakespeare
Tradução: Barbara Heliodora
Direção: Gilberto Gawronski
Direção de movimento: Deborah Colker
Direção musical: Studio ARP.X
Figurinos: Antonio Medeiros e Cao Albuquerque
Cenografia: Maria Sarmento e Beanka Mariz
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros
Visagismo: Hélio Dias
Programação visual e Maquiagem: Fabrizio Sá
Video: Paulo Severo
Direção de Produção: Wagner Uchoa
Produção Executiva: Luana Cabral
Assistente de Direção: Fernando Philbert
Elenco:
Luis Salem | Duque
Nildo Parente | Éscalo
Ricardo Blat | Ângelo
Celso André | Lúcio
Rodolfo Bottino | Japassada
Alcemar Vieira | Pompeu
Gustavo Wabner | Cláudio
Tatsu Carvalho | Delegado
Sergio Maciel | Isabela
Rafael Leal | Mariana
Gilberto Gawronski | Bernardino
Murilo Fontes e Wallace Lima | coringas

Serviço:

Medida por medida
22 de janeiro a 1 de março 2009
Quarta a segunda, às 19h
Duração: 80′
Classificação: 14 anos
Local: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro – Teatro I
Rua Primeiro de Março, 66, Centro
Lotação: 172 lugares
Telefone: 21 3808-2020
Ingressos: R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia entrada)
Bilheteria: das 10h às 21h
Acesso para portadores de necessidades especiais


Respostas

  1. Bela crítica, Marcos. Fiquei com muita vontade de assistir. Pena que não estarei no Rio. Mas de agora em diante já sei por onde me guiar… parabéns.

  2. Oi, Marcos,
    Agora sim eu consegui postar uma notícia sobre você no meu blog.
    Adorei você criticando a Bárbara!
    Estou me deliciando com os seus textos.
    Beijos mil.

  3. q salada hein? rs bom, dificil falar de algo sem ter visto, por isso aceito sua critica (mais positiva do que negativa) como sugestao / vc escreve muito bem… nao sabia que era tanto assim, ms tbm ñ foi supresa saber… bj

  4. Assisti o show aqui em Brasília no Teatro do Banco do Brasil…texto muito bom, figurino excelente….uma comédia de prender a atenção…grandes atores…destaque para o ator Celso André…excelente…recomendo…
    Abraços

  5. Que maravilha relembrar esse espetáculo! Assisti e recomendei para meus amigos! Uma adaptação atual e muito bem humorada do clássico de Shakespeare!
    Adorei principalmente os atores nos papéis femininos, Mariana impagável, talento de ator.


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